Lambe Sujo e Caboclinho

O traço cultural negro e indígena fundamenta o folguedo que traz uma dramaturgia forte com presença de lutas, traições, combates e embaixadas, como uma verdadeira ópera popular que acontece por todo o dia, desde muito cedo, acordando a cidade no mês de outubro. Os primeiros registros datam de 1930, mas é sabido que já existia antes mesmo da abolição da escravatura. Tudo se inicia em lugares distintos, nas primeiras horas da manhã, quando são armados o quilombo dos negros e a taba dos índios que, tendo sua princesa roubada pelos negros, dão início as estratégias de lutas para libertá-la, enriquecendo sua dramaturgia com cantos, danças e personagens definidos.

Tava capinando

A princesa me chamou

Alevanta, nego

Cativeiro acabou.

Os lambe-sujos, cujo nome se deve à tradição de pintar o corpo com carvão pisado e misturado ao cabaú, têm como personagens: o Rei Africano, vestido de calça vermelha, camisa de mangas compridas, colete e coroa; a Princesa, cujo vestido é brilhoso, adornado por um diadema de papelão; os Embaixadores, que guardam o Rei; a Mãe Suzana, trajando uma bata estampada de retalhos, carregando um cesto de palha cheio de panelas e doações da população; o Pai Juá, o guia espiritual dos negros durante a batalha; o Feitor, que se distingue dos demais por usar um colete; os Tocadores e os brincantes, vestidos com calções e gorros vermelhos, tendo na mão seu instrumento de trabalho, a foice. Usam ainda, um cachimbo ou uma chupeta. Já nos caboclinhos, são constituídos pelos Índios, onde se distingue o chefe, a Princesa, os Embaixadores, os Tocadores e os brincantes. Se vestem com saiotes de penas coloridas e cocar, portando o arco e flechas destinadas à sua defesa. Todos passam no corpo roxo-terra misturado com água, para lhes dar um tom avermelhado. Com o roubo da Princesa, as embaixadas acontecem. Os negros se recusam a entregar a Princesa e a se render, o que provoca a realização do momento mais importante do folguedo, que é o combate. A luta entre os dois grupos, segundo alguns pesquisadores, relembra a destruição dos quilombos pelos capitães do mato. Os caboclinhos saem vencedores, salvando sua Princesa, levando os negros acorrentados pela cidade. Para comprar a liberdade dos negros, Mãe Suzana, recolhe doações da população. Cantos, danças e lutas compõe a dramaturgia do folguedo, que tem grande beleza estética. Como o batuque é um traço musical presente, tanto entre os africanos como entre os indígenas, os cantos são marcados pela força do seu ritmo sincopado.

Samba, nego,

Branco não vem cá.

Se vier, pau

Há de levar.

A estrutura dramática apresenta ações que acontecem em dois espaços distintos: o dos negros, o quilombo e dos indígenas, a taba. Há ainda um terceiro ambiente, geralmente uma praça, o espaço aberto onde o combate acontece. No final, vencedores e vencidos se integram com a música, a bebida e a batucada, pois, seguindo a tradição, uma autoridade pede aos caboclinhos que libertem os negros, no que é atendido, instalando a alegria na cidade. Ninguém que assiste sua apresentação está livre de sair sujo de vermelho ou preto, porque faz parte do espírito da brincadeira. É característico dos municípios de Itaporanga D’Ajuda e Laranjeiras.

 

O esmolado, realizado no sábado, é o primeiro momento do ritual do folguedo, quando um cortejo de lambe-sujos percorre as ruas históricas de Laranjeiras, para arrecadar, entre os comerciantes e a população, os alimentos para o almoço do dia seguinte. No domingo, os cortejos dos lambe-sujos e dos caboclinhos percorrem a cidade até o embate final na praça.