Chegança

A luta entre cristãos e mouros revela os fundamentos do folguedo, originado nas antigas tradições ibéricas e inspirado em romances que narravam aventuras marítimas de embarcações como a nau Catarineta. No Brasil, a depender da região, recebe nomes variados como Barca, Marujada, Fandango, Chegança de Marujos, Chegança de Mouros, Mourama ou simplesmente Chegança. A presença dos mouros por séculos na Península Ibérica deixou marcas profundas na cultura, na linguagem, nos cantos e nas danças populares que dali se espalharam pelas colônias americanas. Os sinais dessas contribuições estão presentes nas várias manifestações folclóricas, sendo a Chegança uma das mais representativas. O folguedo se apresenta dividido em dois grupos cujo enredo, marcado pela dramaticidade, revive o conflito religioso e social entre cristãos e mouros. As embaixadas se encerram com a derrota dos mouros, que são batizados pelos cristãos. Em Sergipe, os brincantes marujos já se apresentavam na velha capital São Cristóvão com grande pompa à frente da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, com dois navios de madeira sobre rodas, revestidos de tecidos. Os cristãos saiam da Igreja Nossa Senhora da Vitória, a Matriz da cidade, e a sumaca dos mouros partia da Igreja dos Capuchinhos, na praça do Carmo. Quando o sino do Rosário tocava, era o sinal para que de cada lugar, os dois grupos saíssem para a encenação com seus cantos e embaixadas, narrando a aventura no mar, onde não faltavam tempestades, traições, brigas internas, batalhas e o batismo dos mouros infiéis, derrotados pelos cristãos. A mesma riqueza de detalhes tinha a Chegança de Zé do Pão em Aracaju, nos idos da década de cinquenta do século passado. Um grande barco era montado no parque Teófilo Dantas, junto à Catedral, durante os festejos natalinos, igualmente construída com madeira e tecido, além de um mastro gigante onde o gajeiro subia e podia dizer bem alto:

Alvíssaras meu comandante

Alvíssaras meu general

Eis que vejo terras de Espanha

Areias de Portugal!

Dentro do barco, a Chegança apresentava ao público todas as suas jornadas: o embarque, a nau perdida, a rezinga grande, o contrabando, a agulha de marear, o combate e o batismo. Sendo um folguedo inspirado nas aventuras marítimas, os tripulantes do barco, possuem títulos ligados à Marinha Brasileira, se vestindo como marujos e oficiais, com predominância dos trajes das cores azul e branco. No grupo dos cristãos personagens como o Piloto, o General, o Almirante, o Vice-almirante, o Mestre, o Contramestre, o Capitão-tenente, os Gajeiros, os Calafatinhos, o Padre e os Marinheiros, compunham a trama. Já os mouros eram representados pelo Rei, os Embaixadores, as princesas Floripes, Angélica e Dama de Ouro. Na apresentação duas filas se formavam, tendo à frente o Piloto. Os cantos eram acompanhados por pandeiros, caixas e apitos, além do trincar das espadas. As mudanças das marchas, comandadas pelo apito usado pelo Piloto aguardavam a buzina, utilizada apenas pelo comandante, para organizar o grupo. O estilo das marchas sempre ligado ao desenvolvimento dramático do folguedo, segue uma rotina entre a Marcha Batida, Marcha Bailada, Marcha Ligeira ou Marcha Lenta. Os cantos se adequam às cenas, mas a marcha é o ritmo mais apropriado para que possa imitar com os pandeiros o movimento do mar, realizando uma espécie de sonoplastia para compor a ação dramática da Chegança. Sua coreografia é simples, procurando com os corpos juntos ou separados, representar o balanço do navio. Quando encenada na rua, a marcha leva ao deslocamento para ir embarcar, formando um cortejo. Muitos grupos estão presentes na história dos municípios de Aracaju, de Divina Pastora, de Itabaiana, de Lagarto, de Laranjeiras, e de São Cristóvão.

 

As Chegança como a São Benedito de Divina Pastora, a Almirante Barroso e a Almirante Tamandaré de Laranjeiras, a Santa Cruz de Itabaiana, e ainda as Cheganças de Lagarto e de São Cristóvão,são representativas do folguedo em Sergipe. Lideradas por grandes mestres, apresentam uma dramaturgia em embaixadas, intermediada por diálogos inflamados.